quarta-feira, 29 de outubro de 2008

O caso de Santo André x a Constituição Federal


Lana Leitão Martins*

Numa situação limite, onde o agente ativo apresentava claros sinais de distúrbios psicológicos, envolvimento emocionalmente com a vítima, numa situação de frustração amorosa, qualquer alternativa seria difícil. Porém, a invasão do cárcere contém a certeza absoluta do resultado morte ou ferimento grave, restando apenas a incógnita de quantos sairiam vivos e quantos restariam feridos.

Todo o Brasil acompanhou o caso policial de seqüestro da adolescente Eloá, em tempo real, desde as primeiras horas de cativeiro até o seu enterro, e até hoje, decorridos mais de dez dias após o fim do evento, se tem notícias da repercussão do episódio, inclusive com conseqüências inesperadas, tal como a prisão do pai da jovem, que era acusado do cometimento de crimes no Estado de Alagoas e estava homiziado em São Paulo, há mais de uma década.

A opinião pública vem criticando de maneira categórica o GATE de São Paulo pela falta do disparo fatal contra o seqüestrador, supondo que se assim tivesse acontecido, as reféns teriam saído ilesas e o principal causador do drama teria, enfim, recebido o que merecia.

Muitas entidades, dentre elas: Poder Judiciário, Ministério Público, Defensorias Públicas, OAB e instituições ligadas à defesa dos Direitos Humanos, e outras, têm lutado diuturnamente para que as ações policiais sejam pautadas mais na humanização dos agentes: agressores e vítimas.

Aliás, a maior interessada neste assunto, a Polícia Militar, vem empreendendo vários esforços, através de cursos e implantação de programas, para mudar o binômio: atividade policial e brutalidade.

Não se pode olvidar que por vezes a Polícia deve utilizar das técnicas próprias, as quais envolvem utilização de armas e utensílios letais. Mas, quantas vezes já não se questionou, ou se questiona, a ação policial acusada sempre de atirar primeiro e depois perguntar?

No nosso Estado, aplaude-se a implantação do programa Polícia Comunitária que pretende uma melhor e viável integração dos agentes de segurança pública ostensiva com a população em geral, valorizando o diálogo e parceria, ao invés do emprego da força.

Particularmente no caso dos jovens Eloá, Nayara e Lindenberg, a Polícia de São Paulo priorizou a possibilidade de uma rendição pacífica, por mais difícil que fosse, a um enfrentamento direto, este com a certeza de perigo certo a todos, tanto vítimas, quanto agressor.

Numa situação limite, onde o agente ativo apresentava claros sinais de distúrbios psicológicos, envolvimento emocionalmente com a vítima, numa situação de frustração amorosa, qualquer alternativa seria difícil. Porém, a invasão do cárcere contém a certeza absoluta do resultado morte ou ferimento grave, restando apenas a incógnita de quantos sairiam vivos e quantos restariam feridos.

Quem resumiu o pensamento da grande maioria dos que criticam a falta de uma ação mais efusiva, foi um perito brasileiro que trabalha para a famosa SWAT americana, qual seja, Lindemberg ao adquirir ilegalmente uma arma, apesar de ser primário e sem qualquer registro anterior de envolvimento criminal, já era um criminoso e por assim dizer merecia morrer com o tiro de comprometimento. Assim, a polícia descartaria a vida de um marginal e pouparia a de uma inocente.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988, a chamada e festejada “Constituição Cidadã”, proíbe de maneira categórica a pena de morte, com exceção em caso de guerra contra Estado estrangeiro, além de garantir direitos primários a todo cidadão brasileiro.

Evidente que as ações de Lindemberg afrontaram diversos diplomas legais, mas isso será apurado em um processo criminal próprio, regido por princípios básicos do contraditório e ampla defesa, na busca de um provimento judicial célere e justo, objetivo que se busca sem tréguas pelos operadores do direito brasileiro.

Não é por demais lembrar que, no Brasil, com todas as malezas de um sistema penal ainda moroso e com falhas, não se tem tribunal ou justiça de exceção, onde certa categoria de “criminosos” é tolhida de qualquer expressão de direito.

O GATE paulista ou qualquer outra autoridade pública brasileira não está autorizada a julgar e executar a pena capital a quem quer que seja, óbvio que existem formas de justificar ações que envolvam morte, como estrito cumprimento do dever legal ou legítima defesa, entretanto, todos tem seus limites e os excessos são punidos.

Ao optar pela negociação, a Polícia Militar do Estado de São Paulo deu o primeiro passo para demonstrar que os agentes públicos de segurança estão começando a enfrentar uma situação de violência, mesmo que limítrofe, de acordo com as regras constitucionais e legais, as quais valorizam a vida humana e restringem as ações com uso da força para quando não restar alternativa.

O êxito infelizmente escapa da vontade humana.

*Juíza de Direito e Professora universitária

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